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Entrevista sobre a exposição "à sombra do mar" (2025)

 





à sombra do mar (2025)

 

Exposição à sombra do mar 
Poemas de Luísa Dacosta e Fotografias de Daniel Curval

Patente até 29 de março de 2025 na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto

*no âmbito da programação do 26 ° Encontro de escritores de expressão ibérica 
Correntes d´Escritas 2025 / Póvoa de Varzim

«O festival literário Correntes d'Escritas abriu com a inauguração de À Sombra do Mar, uma exposição de fotografia de Daniel Curval com poesia de Luísa Dacosta

Aver-o-mar é o mote. O seu cheiro, o seu falar, a sua agrura. Trabalho edificado através do exercício ecfrástico, quando nos detemos a contemplar o labor de ambos os artistas, ficamos sem compreender bem onde se situam as fronteiras da imagem e do verbo. Porque a força visual da palavra nos salta aos olhos. E porque o impulso poético da fotografia suspende a nossa adicção do olhar. 

Vale pena ir à Póvoa de Varzim presenciar este simples maravilhamento. O mais difícil em Arte. Patente na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, até dia 29 de Março.»

Sema Higgs® Founder & Creative Director


Ficha Técnica:
à sombra do mar, 2025
Daniel Curval

10 Fotografias PB / L45xA30 cm
Impressão em papel FineArt / Hahnemühle FineArt Baryta 325g
Aplicação em painel de alumínio Dibond 2mm
Caixilho em Madeira L21x14A cm 

Para aquisições entrar em contacto com Daniel Curval via e-mail: danielcurval@gmail.com
de cada fotografia são impressas no máximo 1/5

“Que Cor Esconde a Dor?”



Notas sobre a obra “Que Cor Esconde a Dor?” por Marta Fernandes




Antes do nosso olhar se dedicar à obra propriamente dita, há um desafio prévio que nos impele à reflexão: o título interrogativo que lhe é dado parece-nos inextricável daquilo com que depois o olhar será confrontado.
Afinal, haverá uma cor apta a esconder, a ocultar a dor? No entanto, da questão basilar que nos é proposta germinam outras possíveis: Mas de que dor falamos? Dor física, emocional, ou tal distinção é, em muitos casos, inexistente, irrelevante, confundindo-se o emocional no físico e/ou vice-versa? Finalmente, o facto daquilo que aparentemente oculta a dor ser, afinal, algo de ilusório, inexistente, fruto de uma construção cerebral e da intermediação da luz: a cor!
Então, como pode uma ilusão ser suficiente para esconder a dor? Estas algumas das perguntas que julgamos ramificar-se a partir do título da obra. E é precisamente a pergunta/título que não só nos desafia mas também nos guia no, posterior, embate visual com uma construção artística, à primeira vista, incisivamente incómoda, áspera, perante a qual os olhos quase involuntariamente preferem evitar a enfrentar o que lhes é dado a observar.
Porque aquilo que o autor nos apresenta como materialização ou desenvolvimento da questão formulada (adiantamos, desde já que não julgamos que, no final do percurso para o qual a criação nos impele, iremos encontrar singular resposta que se coadune com qualquer definitividade) é peremptoriamente desagradável, desde logo, pelo modo directo como (potencialmente) consegue vincular cada um dos observadores, como lhes fala, ou até como lhes “grita”!
Se por um lado, lhes repele o olhar pela sua quase crueza - as suturas grosseiras, as camadas de manchas de sangue que sabemos um significativo elemento pessoal do autor enquanto realidade que irrompe de modo categórico, sem concede a lirismos - (e nesse ângulo recorda-nos a componente de ruptura, subversiva contra o  “establishment”  político, social e artístico de um movimento, essencialmente performativo dos anos 60-70, que foi o actionismo vienense),  por outro lado desse incómodo inicial há o surgimento de uma empatia, o já aludido vínculo, culminando com uma identificação com o que nos é apresentado.


E o que nos é dado a ver é, primacialmente, uma superfície que reporta já a uma visceralidade na qual se fundam os elementos que compõem o trabalho: o corte que não vemos porque suturado ou o sangue que permanece ininterrupto nas manchas, mantendo o vermelho mais acentuado, sem que, novamente, nos permita ver o corte. Não é apenas a potência da metáfora geradora de compaixão que nos cativa, é o acto de quem  observa a obra se rever nela como se do seu próprio corpo  se tratasse.
O corte que aqui não nos é dado a ver directamente, recordando-nos, porém, confluir das emblemáticas perfurações espacialistas de Lucio Fontana, também poderá indicar que o mais importante é o invisível, o que não se vê, o que está mediato, latente, oculto - ou pelo menos aquilo que, numa primeira abordagem, se esconde- do que aquilo que é imediatamente visível!
E apesar de não estarmos no domínio de uma “acção” sobre o próprio corpo do artista, pois não se trata obviamente de uma performance, não deixa de estar aqui patente a dor (ou o simulacro da mesma possível através da obra, a imitação dessa dor talvez sempre exprimível apenas limitadamente, independentemente do meio para esse efeito) exteriorizável nesse mesmo corpo referente, exterior e interior abarcáveis,  ressaltando, por isso, o corpo humano e a sua força vital: o sangue!
Sangue derramado pelo autor na obra como reflexo de uma pessoalização mas também como assunção de vínculo maior e ligação do autor ao outro, a dor como factor universalizante, a que nenhum ser humano é alheio! A violência da dor, quer física quer emocional, como característica inarredável do ser humano. Também por isso, não será a dor, que a todos nos une, factor de humanidade pelo modo específico como apenas os seres racionais com ela lidam, em particular com a dor emocional, mais ainda se considerarmos a estruturação da sociedade contemporânea onde o espaço das emoções e sensações vem sendo, também ele, assaltado ferozmente pelo ímpeto consumista, do prazer momentâneo e gratuito e da procura do amortecimento senão da anulação da dor? Ora, nessa medida, até que ponto não será a dor vestígio de uma humanidade cada vez mais desencontrada consigo própria por oposição a um ser humano cada vez mais próximo da automaticidade comportamental? Convém não esquecermos que o contexto histórico-social do surgimento de um fenómeno aparentemente artístico como o kitsch (que, sem surpresas face ao que referimos previamente e e de forma sintomática, continua a expandir-se hodiernamente), após as atrocidades sangrentas da II Guerra Mundial, do abominável Holocausto,  e que visava (visa) de, certo modo, um mundo desumano, no sentido de a emoção ser constantemente adocicada, aromatizada com o fito de inebriar, sem verdadeiramente deixar emergir o sentir! Trata-se, no fundo, de entorpecer os sentidos na tentativa de uma fuga à dor! Resulta que “Que esconde a dor?” não podia colocar-se em campo mais oposto a esse!


Dedicando agora uma atenção mais pormenorizada aos elementos que compõe esta criação:
O que desde logo atrai o observador é a sutura, algo rude, como que desenhando um caminho ou quiçá até uma linha férrea que entronca com outra/o.  Possíveis e plúrimos sentidos aqui concorrem: a dor que sempre nos encontra, porque humanos somos, independentemente do caminho tomado, e dores há que se voltam a (re)encontrar porque tiveram a mesma origem ou porque mais tarde se reconhecem, ainda que tendo origens distintas! Muito interessante esta sugestão imagética também pela minúcia, o detalhe numa das suturas, que ao prolongar-se, não toca directamente na borda do círculo de cortiça que dá base à obra mas, antes, o faz através de uma ténue e minúscula linha de sangue, quase imperceptível! Porventura, e continuando a socorrer-nos da metáfora que conforma a obra, haverá dores menos suturáveis do que outras e talvez existam aquelas que não se compadecem com qualquer tipo de suturação. E nessa medida encontramos como que salpicos de sangue e manchas vermelhas a apontar nesse sentido…da “insuturabilidade” de alguns cortes e consequentes “feridas”. E tanto espaço em branco ainda disponível…
Do mesmo modo, a circularidade que enforma a obra reforça a constância da dor assim como poderá apontar para a existência de dores de tal modo pujantes, extensas ou mesmo dilacerantes que não lhes encontramos princípio nem fim…e por isso assemelharem-se à infinitude. Eventualmente o espaço do círculo mais do que o corpo é a representação última do tempo de vida à disposição de cada ser humano!
Curioso notar ainda a presença de uma mancha maior acastanhada à qual é dada centralidade e sobre ela as enfáticas suturas que sugerem ser, mais ou menos recentes. Talvez, aqui, novamente, uma alusão à passagem do tempo, que costumeiramente se associa à dor e regeneração, mas que nem sempre tem o efeito curativo desejado, sendo apenas o paliativo possível para a dor, especialmente, a emocional. Consequentemente, mais uma pergunta nos é suscitada: o tempo será sempre um amortecedor da dor, contribuirá sempre para que aquela esmoreça? Ou poderá o tempo, ampliá-la, tornando-se até seu aliado?


Acresce que, genericamente, a reflexão que nos convoca este trabalho é uma revisitação do conceito de dor e a parte que a mesma ocupa no “ser-se humano”, na existência! Sendo a dor universal, inata ao ser humano durante toda a vida humana, inescapável, também não é menos verdade, e sem colidir com a sensação inicial de identificação pelo espectador face à obra, que nunca podemos conhecer totalmente a dor do outro, senti-la em nós plenamente!
O que reitera o carácter dúplice da dor: esta é inegavelmente universal e no entanto profundamente subjectiva!


Assim, regressamos à questão com que iniciamos estas notas sobre a obra, reproduzindo, desta forma, a circularidade imanente a esta criação, e tentando gizar uma conclusão: sendo a cor ilusória porque fruto da actividade cerebral conjugada com a luz, não é afinal também a dor, quer a física quer a emocional, resultado da dinâmica de circuitos cerebrais, áreas do cérebro que actuam quando a fonte incitadora nos acomete? No que concerne à dor física existem, de facto, técnicas de controlo da mesma, nomeadamente, na tradição oriental através, por exemplo, da meditação.
Há, portanto, uma possível aproximação pela ilusoriedade da cor com a dor.
Todavia, e voltando aos elementos constituintes da obra, os alfinetes, perfurantes, que nela estão dispostos ao longo do círculo voltam a destacar a constância dos momentos perpetradores da dor ao longo da vida humana. Este elemento concreto recorda-nos a magnífica obra do artista alemão Günther Uecker quando, analogamente, utiliza não alfinetes mas pregos precisamente para evocar a inevitabilidade da dor ao longo da vida.
Destacariamos ainda o facto de ao desconforto inicial que depois se converte em plena identificação com a mensagem do autor, juntar-se uma remissão de vulnerabilidade pelo modo como o título interrogativo da obra é inscrito (incorporado) na mesma: letras com um aspecto pueril, que nos invoca o tempo da  infância! E afinal não é tantas vezes nesse lugar quase longínquo e paradoxalmente tão presente que a memória se vai encarregando de recriar, reconstruir, onde se encontram dores maiores que aparentemente debeladas surgem já na idade adulta, rebentam as suturas de outras dores, intensificando-as, ou dando-lhes mesmo uma magnitude maior do que a real?


Claro que não poderiamos terminar este apontamento sobre a obra sem uma referência quanto ao modo como foi realizada a integração do material - cortiça- na criação.
E sendo esta a base, sendo o material semelhante a uma “pele” onde se fixam os demais elementos, sabemos que os cortes nos sobreiros têm uma função utilitária, económica, deles resulta uma  vantagem. Se transpusermos tal aspecto para o que temos vindo a explorar através deste trabalho artístico, constatamos que a dor sendo inevitável para o ser humano obriga também a um crescimento, amadurecimento, a um fortalecimento em resultado da resistência.
Para a cura é sempre necessário e inevitável o confronto com a origem da fonte da dor. Pois aí reside o caminho para a superação ou pelo menos para a acomodação da dor no lugar que nos for possível encontrar para tal emoção desavinda. Essa será, então, a função utilitária da dor: tornar-nos seres humanos mais resistentes, acumulando de dor em dor experiência no modo como “suturamos as nossas feridas”. Neste seguimento, podemos ver neste trabalho essa mesma confrontação como forma de, ao destacar um processo que dura uma vida inteira, nos tornar conscientes da inevitabilidade desse confronto.
Por isso, “Que cor esconde a dor?” coloca primazia nessa necessidade confrontacional com a dor enquanto algo que nos desafiará a vida toda, pela mera condição de sermos humanos!
Assim como o desafio da interrogação que serviu de título à obra, e por onde começamos esta pequena análise, não poder ter, irremediavelmente, resposta definitiva.
Apenas cada um de nós saberá dar à (sua) dor a sua cor, tão pessoal e tão intransmissível!

31-08-2017




2008-2013 (c) Daniel Curval




Que Cor Esconde a Dor?


Obra "Que Cor Esconde a Dor?" 
na exposição colectiva "Assobiador"
patente na Galeria Metamorfose no Porto
de 21 de Setembro a 26 de Outubro 2013




40 artistas que foram convidados pela Metamorfose a intervir sobre uma placa de cortiça. A escolha do suporte, baseou-se nos conceitos de sustentabilidade ecológica, económica e social, bem como no "Assobiador", que é o sobreiro maior e mais produtivo de Portugal. Plantado em 1783 no Alentejo, tem mais de 14 m de altura e produz 10x mais cortiça que um sobreiro vulgar. O Assobiador foi baptizado com este nome devido aos numerosos pássaros canoros que o habitam. 
Os artistas convidados tiveram liberdade para se exprimir e intervir numa placa de cortiça de 30 cm de diâmetro e 3 cm de espessura. 



(c) Daniel Curval



ficha técnica:

Título: Que Cor Esconde a Dor?
Data: 2008-2013
Técnica mista/Materiais:
- Placa cortiça de 30 cm diâmetro
- Tela branca de 28 cm diâmetro
- Tinta acrílica vermelha
- Linha preta
- 35 alfinetes metálicos
- Sangue RhA+ do artista





A memória marca, deixa um rasto de cicatrizes. Às vezes, tenta esconder o passado, camuflá-lo, mas o corte fica para sempre. A ferida sara, reconstitui-se, camada sob camada nasce uma nova pele. Enquanto o corpo estiver vivo, a natureza encarrega-se de restaurar o corte. Somos feitos de memórias, dos cortes que fizemos, do passado que deixámos. O sobreiro também sofre estes cortes. Só a partir do terceiro corte, da terceira extracção, é que a cortiça atinge o seu valor mais elevado, a sua melhor qualidade. Os cortes são a sua memória. Pela quantidade de cortes conseguimos saber a idade do sobreiro. E será que sofre durante os cortes? A extracção efectua-se entre Junho e Agosto, meses favoritos para a música das aves canoras. A natureza cumpre a sua função, o equilíbrio estabelece-se desta forma. O homem corta e as aves cantam. Disse o poeta que a faca não corta o fogo, mas o fogo cicatriza os cortes. O calor do canto das aves cicatriza o sobreiro e embala a sua dor.

Marco Santos, 2013
http://novaziodaonda.wordpress.com/


Video da Exposição inaugural "Assobiador" na Galeria Metamorfose, Porto:

http://vimeo.com/76889686




à sombra do mar (1999) photographias de Daniel Curval

Este portfolio é uma selecção de photographias analógicas produzidas no ano da graça de 1999 que deu origem a uma plaquete de 9 postais intitulada "à sombra do mar" com poemas da escritora Luísa Dacosta. Uma exposição e em 2001, o livro "Homem nu persignando-se em azul" com o poeta Jesus Losada (Zamora, Espanha). Agora que o tempo fez o que tinha de fazer sobre estas imagens, estava na altura de as divulgar neste espaço.

seguir o link para visualizar o slideshow: http://www.danielcurval.net/agrave-sombra-do-mar.html

A enxerga por Catarina Costa

Catarina Costa autora do livro "Marcas de Urze" (2008 - 1º Prémio de Poesia Guilherme de Faria ) editado pelas Cosmorama Edições, acedeu gentilmente ao meu convite e escreveu este belo texto a partir de uma fotografia
de minha autoria.


Ela acreditou que ainda iria a tempo de resgatar algum resquício dele deixado nas coisas depois de tanto tempo em que nelas depositara o corpo, ainda iria a tempo de salvar alguma forma orgânica que desprendesse um rastilho seu. Haveria de exumá-lo ali mesmo, nessa tarde, a partir de um sedimento que tivesse remanescido ao largo do lugar onde ambos se costumavam deitar e onde ela ainda se deita, a cama de ferro coberta por mantas desbotadas. Mantas e mortalhas que arrancou nessa tarde para poder inspeccionar à luz do sol e não do candeeiro o lugar do sono e deslindar possíveis réstias de um outro corpo até então desapercebidas. Mas teria sido preciso ser um cão e não apenas a sua sombra para farejar o resíduo certo, um cão de focinho bem enterrado nos lençóis. Ela nada cheirou. Nenhum odor característico, nenhum fio de cabelo sobrevivera às lavagens impostas pelo passar dos dias. Arrancou então os lençóis – talvez no próprio colchão, que não fora lavado, se pudesse ainda libertar alguma emanação alheia. Mas uma vez mais teria sido preciso ser um cão para a identificar. Ela não tem faculdades para reconhecer auras a partir de detritos. Ou de agarrar determinado grão microscópico. As mãos deixou-as, por alguns instantes, ondear pela planura esponjosa e pelas covas do colchão. Agora só faltava cravar as unhas, esventrar a enxerga até ir ao fundo de onde haviam dormido, afundar-se na espuma. Mas bastou um rasgo na horizontal para que visse a inutilidade desta tentativa de submersão. Percebendo de repente que devia era ver-se livre daquele colchão enorme já perfurado. Quando o carregou às costas no caminho para a sucata, sentiu bem a sua desmesura, a desproporcionalidade em relação ao uso dividido que lhe dava. Ao atirá-lo, com todo o seu peso, para o meio do lixo, atirou também, ao de leve, a almofada. Para que fizessem parelha. Agora dorme em cima das tábuas.

STILB LIFE by Daniel Curval






O projecto ShareMag.net convidou-me a apresentar um portfolio fotográfico.
Esse portfolio tem como título: Stilb Life - Fotografias de imagens moribundas
e pode ser conhecido no website http://www.sharemag.net/
Fica aqui registado o meu agradecimento ao José Carlos Marques do ShareMag
e ao João Gomes Martins pelo excelente texto
"Entre a mundanidade precária dos objectos e a sua permanência transparente na arte"
que acompanha o portfolio.



stilb [stilb]

s.m. FÍSICA unidade de medida de brilho, de símbolo sb,

equivalente a uma candela por centímetro quadrado (do gr. Stílbein, «brilhar»)

in Dicionário da Língua Portuguesa 2004. Porto Editora



A estranheza e a ambiguidade do título deste trabalho fotográfico é de imediato ultrapassada após a leitura desta série de fotografias. Realizadas sobre uma reflexão do mundo contemporâneo, registam um tempo cristalizado, as imagens de um real daquilo que ainda é, que ainda (still) existe mas que está quase a falecer num limbo existencial, imagens moribundas ou até mesmo mortas. Estas fotografias são no aspecto da captura intuítiva do momento, a antítese do "instante decisivo" de Henri Cartier-Bresson, estando por afinidades, mais próximas dos enquadramentos estertores de Eugène Atget.

Serenas no seu estado cristalizado a encenação está ausente e não são "still life – natureza morta" mas imagens que ainda têm ou tiveram uma relação umbilical com a vida, que exalam uma última centelha de luz para a câmara fotográfica e durante essa metamorfose a imagem morre materializando-se numa fotografia.

Nesta série são apresentadas stilbs lifes de objectos "uma coisa imortal realizada por mãos mortais" (Hannah Arendt).



Como complemento aqui ficam as palavras de Apronenia Avitia, uma patrícia romana que viveu no século IV a.d. e que no seu diário escrito em tábuas de buxo registou, entre outros, este fragmento:


LXXIII. Objectos conservados do passado



Com P. Saufeius, contámos os objectos que tínhamos conservado do ano passado e cuja visão nos comovia.

Um pedaço de pano amarelo, do amarelo que se extrai das folhas de camomila.

Duas tábuas de Q. Alcimius onde nem três palavras havia.

O carro de duas rodas em restauro.

Um pião infantil de um azul tão desbotado que já está quase branco.

As unhas e o cabelo de Papianilha.

Publius diz:

- O único objecto do passado é cada noite em que brilha a lua cheia, e o chão seco, sem sombra de um vestígio.

in As tábuas de buxo de Apronenia Avitia. Edições Cotovia, 1999

Daniel Curval



Entre a mundanidade precária dos objectos e a sua permanência transparente na arte. *

Hannah Arendt no seu livro "Condition de l'homme moderne" caracteriza nestes termos o conjunto dos objectos que o homem produz: "Considerados como elementos do mundo (…) eles garantem a permanência, a durabilidade, sem as quais não existiria nenhum mundo possível. (…) Esse meio composto por objectos que não são consumidos, mas utilizados e habitados, e porque os habitamos também nos habituamos a eles, estão na origem da familiaridade com o mundo, dos seus costumes, das relações usuais entre o homem e as coisas, como ainda entre o homem e os outros homens." Mas o que podemos apelidar a mundanidade dos objectos não é a sua simples presença ou ainda a sua realidade "objectiva", mas como o indica Gianni Vattimo, em "Introduction à Heidegger", ela define-se como "instrumentalidade essencial, como Zuhandenheit, ou de modo mais geral, como significação em relação à nossa vida (…) que não é algo que se acrescenta à sua "objectividade", mas que constitui o seu modo de ser (…) e o modo segundo o qual eles se apresentam primordialmente na nossa experiência." Estas considerações permitem, parece-nos, identificar as operações que organizam o trabalho que presidiu ao conjunto de fotografias que Daniel Curval intitulou Stilbs lifes. Em que circunstâncias é que o olhar do fotógrafo e a lente do seu aparelho fotográfico são mobilizados? Precisamente perante objectos que perderam ou que não actualizam a sua essência mundana enquanto instrumentalidade. São objectos isolados do conjunto que lhes conferiria consistência, como no caso da bicicleta encostada a uma parede (Stilb life XLII) numa subtracção ao seu ser instrumental, ou uma mesa e umas cadeiras de jardim empilhadas manifestando os sinais de uma expatriação do mundo (stilb life XLI). Um outro caso é ilustrado pelos interiores vazios, totalmente ou em parte, desocupados e desfrutando duma espécie de ociosidade sui generis. Para ilustrar um grau superior de des-mundanização, temos o "tv cemetery", uma espécie de geena dos objectos, o sofá castanho, como que extraviado do mundo e desaparecendo no meio das ervas de um descampado (stilb life XL), as ruínas de uma habitação, como em "O quadrado vermelho de Malevitch" e em "stilb life XXXIV".

Portanto, estas fotografias como que expõem diversas modalidades de um exílio do mundo, próprio aos objectos, as suas diversas formas de exclusão, poderíamos acrescentar. Correlativamente a esta situação, a operação do fotógrafo, singela em aparência, poderia consistir, numa primeira acepção, num gesto de protesto contra um processo, em parte natural de corrupção dos objectos, produto duma obra criadora, mas também, em parte, fomentado por uma sociedade que submete tudo a uma obsolescência cada vez mais acentuada. Numa segunda acepção, esta operação seria uma forma de resgatar os objectos desocupados (no sentido em que falamos das pessoas desempregadas), expatriados ou fisicamente corrompidos e de oferecer-lhes uma possível modalidade de existência feita das virtualidades da luz que permite registá-las e da contemplação que lhes podemos dispensar. Sendo assim, a arte permitiria compensar a precária instabilidade do mundo e dos seus objectos, pois no dizer de Hannah Arendt "Tudo se passa como se a estabilidade do mundo se tornasse transparente na permanência da arte, de modo que um pressentimento de imortalidade, não da alma ou da vida, mas de uma coisa imortal realizada por mãos mortais, se torna tangível e presente para resplandecer, para que se possa ver, para cantar e que se possa ouvir, para ler por quem estiver disponível para lê-lo."

* texto elaborado a partir dos stilbs lifes do website "stilb photography" em Julho de 2010

João Gomes Martins - Mestrado em Filosofia pela Universidade do Porto

portfolio STILB LIFE na ShareMag.net

O projecto ShareMag.net convidou-me a apresentar um portfolio fotográfico.
Esse portfolio tem como título: Stilb Life - Fotografias de imagens moribundas
e pode ser conhecido no website http://www.sharemag.net/
Fica aqui registado o meu agradecimento ao José Carlos Marques do ShareMag
e ao João Gomes Martins pelo excelente texto
"Entre a mundanidade precária dos objectos e a sua permanência transparente na arte"
que acompanha o portfolio.



working on the next photographic project to publish. news in brief.